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O Golpe do Falso Intermediário: Quem deve ser responsabilizado?

Sumário

O “Golpe do Falso Intermediário” – estelionato que utiliza a clonagem de anúncios para ludibriar comprador e vendedor de veículos – tem gerado jurisprudência consolidada nos Tribunais brasileiros. As decisões concentram-se em afastar a responsabilidade de bancos e plataformas e em analisar a culpa das vítimas na concretização da fraude, pois, na maioria das vezes, as instituições financeiras e plataformas de anúncios não possuem qualquer envolvimento no caso concreto.

Naturalmente, é possível, em caso de culpa do sistema bancário por ausência de adoção de mecanismos de segurança, sua eventual responsabilização, mas apenas em casos de fortuito interno, conforme será detalhado adiante.


1. Responsabilidade das Instituições Financeiras e Plataformas de Anúncios

A Regra Geral: Fortuito Externo e Culpa Exclusiva da Vítima

A regra geral do TJMG é de exclusão da responsabilidade de bancos e plataformas digitais (como Facebook Marketplace e OLX) nos casos de Golpe do Falso Intermediário. O fundamento majoritário para essa exclusão é o reconhecimento da culpa exclusiva da vítima/terceiro e do fortuito externo, conforme o art. 14, § 3º, II, do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

  • Ausência de Falha no Serviço Bancário: O TJMG entende que a transferência de valores (PIX, TED, etc.) é realizada de forma voluntária pelo consumidor. Como a operação é legítima, os sistemas de segurança do banco não têm como detectar a fraude, que ocorre por meio da engenharia social (fora do ambiente bancário).”Comprovada a realização voluntária de transação bancária pelo consumidor, sem qualquer anormalidade em seu histórico de operações bancárias, que pudesse ser detectada pelos sistemas de segurança da instituição financeira, afasta-se a responsabilidade objetiva da instituição bancária ou prestadora de serviços, nos termos do art. 14, § 3º, II, do CDC.” (TJMG – Apelação Cível 1.0000.25.334626-6/001, Relator(a): Des.(a) Roberto Ribeiro de Paiva Junior, 15ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 14/11/2025, publicação da súmula em 25/11/2025).
  • Imprudência e Descumprimento de Cautela: O consumidor (comprador) que confia em terceiros desconhecidos e efetua depósito em conta de estranho, sem verificar a titularidade, age com imprudência, fator que afasta a responsabilidade dos intermediadores.”As instituições financeiras e plataformas não respondem por danos decorrentes de fraude conhecidas como o golpe do falso intermediário, que tem por base a clonagem de anúncios reais de venda de veículos e o recebimento do valor daquele interessado na compra.” (TJMG – Apelação Cível 1.0000.25.333353-8/001, Relator(a): Des.(a) Lúcio de Brito, 13ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 30/10/2025, publicação da súmula em 31/10/2025).
  • Insuficiência do MED: O fato de o Mecanismo Especial de Devolução (MED) não ter sucesso na recuperação do valor por insuficiência de saldo na conta do fraudador não configura falha no serviço bancário. (TJMG – Apelação Cível 1.0000.25.233909-8/001, Relator(a): Des.(a) Leonardo de Faria Beraldo, 9ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 21/10/2025, publicação da súmula em 24/10/2025).

Hipóteses em que o Banco Pode Ser Responsabilizado: Fortuito Interno

O Golpe do Falso Intermediário, por ocorrer, muitas vezes independentemente de erros bancários, resulta na ausência da responsabilidade destes, isso significa que a responsabilidade do banco só será configurada se houver defeito na segurança de seus próprios serviços, não relacionados à vontade do cliente de transferir o dinheiro. Nesses casos, a fraude é considerada Fortuito Interno, risco inerente à atividade bancária, gerando responsabilidade objetiva (Súmula 479 do STJ).

Exemplos de Fortuito Interno:

  • Falha na Segurança de Sistemas e Dados: Invasão da conta bancária por malware ou phishing, ou quando o criminoso tem acesso a informações sigilosas do cliente, demonstrando falha na proteção de dados e segurança cibernética.
  • Abertura de Conta Fraudulenta: Quando o banco permite a abertura de conta em nome de terceiro por fraude (utilizando documentos falsos), falhando no dever de verificar a identidade do contratante.
  • Transações Atípicas: A ausência de medidas eficazes para impedir transações totalmente atípicas em relação ao padrão de consumo do cliente, mesmo em casos de roubo ou furto de celular (especialmente após a comunicação imediata do roubo).

2. A Responsabilidade Civil entre Comprador e Vendedor

Na relação entre as duas vítimas, o TJMG adota duas teses principais: Culpa Concorrente e Culpa Exclusiva do Comprador.

A Tese Majoritária: Culpa Concorrente (Rateio do Prejuízo)

A maioria dos julgados reconhece que tanto o comprador quanto o vendedor concorrem com culpa para o êxito da fraude, aplicando o art. 945 do Código Civil.

  • Nulidade do Negócio: O contrato de compra e venda é declarado nulo devido ao vício de consentimento (dolo de terceiro), pois não houve consenso legítimo nem pagamento ao proprietário.(TJMG – Apelação Cível 1.0000.25.222154-4/001, Relator(a): Des.(a) Sérgio André da Fonseca Xavier, 18ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 16/09/2025, publicação da súmula em 17/09/2025).
  • Divisão da Perda: O Tribunal entende que o vendedor falha ao permitir a intermediação de estranhos e ocultar o preço real do comprador. O comprador falha ao transferir o valor para uma conta desconhecida e por não desconfiar do preço promocional.”Ante o reconhecimento da culpa concorrente, cabe a cada uma das partes arcar com 50% (cinquenta por cento) dos danos oriundos do golpe.” (TJMG – Apelação Cível 1.0000.25.149617-0/001, Relator(a): Des.(a) Lílian Maciel, 20ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 25/09/2025, publicação da súmula em 26/09/2025).

Exceção: Culpa Exclusiva do Comprador

Em alguns casos, o TJMG isenta o vendedor de qualquer responsabilidade, atribuindo a culpa exclusiva ao comprador, especialmente quando não há prova de que o vendedor tenha participado das tratativas que levaram à transferência dos valores.

“Se o comprador de veículo realiza pagamento induzido a erro por terceiros falsários e sem ato ilícito praticado pelo vendedor, possui culpa exclusiva pelo evento danoso… Inexistindo provas de que o réu participou da fraude ou de que se envolveu nas tratativas que levaram à transferência dos valores, não há como atribuir-lhe responsabilidade pelos danos sofridos pelo autor.” (TJMG – Apelação Cível 1.0000.25.005410-3/001, Relator(a): Des.(a) Cavalcante Motta, 10ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 22/04/2025, publicação da súmula em 25/04/2025).


3. Ações Judiciais: O Foco no Golpista

Diante da dificuldade em responsabilizar bancos e plataformas (exceto em casos de Fortuito Interno), a jurisprudência sugere que as vítimas foquem seus esforços em ações de ressarcimento contra os verdadeiros responsáveis pelo Golpe do Falso Intermediário

A ação judicial de restituição de valores deve ser proposta contra o golpista/estelionatário e/ou contra a pessoa (laranja ou empresa) cuja conta bancária recebeu o dinheiro fraudulento. O objetivo é reverter o prejuízo causado, com base na nulidade do negócio e no enriquecimento ilícito (art. 884 do CC).


📝 Como Se Proteger e Agir Contra o Golpe do Falso Intermediário

A seguir, a paráfrase do texto com dicas de prevenção e o primeiro passo a ser tomado após a ocorrência da fraude, para ser inserida em seu artigo:


Medidas de Prevenção e Ação Imediata

Para evitar o golpe do Falso Intermediário, adote as seguintes cautelas:

  • Desconfie de Preços: Sempre suspeite de valores que estejam significativamente abaixo da média de mercado para o produto anunciado.
  • Use Canais Oficiais: Verifique se toda a comunicação e negociação ocorrem exclusivamente pelo canal oficial da plataforma de anúncio. Evite dar prosseguimento a tratativas iniciadas por terceiros via WhatsApp, telefone ou outros meios externos.
  • Pagamento Direto: Nunca efetue pagamentos ou transferências para contas bancárias de terceiros que não sejam o proprietário legal do bem ou que não possuam vínculo formal e direto com o anúncio.
  • Verificação na Visita: Durante a inspeção do bem, se houver, converse abertamente com o proprietário real sobre o valor, as condições de pagamento e quem será o destinatário final do dinheiro. Antes de transferir, cheque minuciosamente as informações do recebedor.

O Que Fazer Após o Golpe

Caso se torne vítima do golpe:

  1. Registre o Boletim de Ocorrência (BO): Faça o registro imediatamente na delegacia mais próxima ou utilize a Delegacia Online.
  2. Reúna Provas: Colete e organize todas as informações e provas do crime, como prints das conversas, links do anúncio fraudulento e todos os comprovantes de pagamento efetuados.

Referências:

RIBEIRO, Rodrigo. Fraude bancária: casos e a jurisprudência atual dos tribunais. Consultor Jurídico, 22 out. 2025. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2025-out-22/fraude-bancaria-casos-e-a-jurisprudencia-atual-dos-tribunais/. Acesso em: 25 nov. 2025.


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Diego Ribeiro de Souza. OAB MG 211.02

Advogado atuante nas áreas cíveis e trabalhistas, escritor, pesquisador.

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